Contágio - CRÍTICA
Contágio é um filme que se leva a sério, mas que não
se permite ser encarado da mesma maneira, pois jamais se aprofunda em suas
diversas tramas e personagens, conduzindo o espectador a um passeio
relativamente tenso, porém superficial. Soderbergh é um diretor de
talento, sem sombra de dúvidas, mas aqui fraquejou ao investir em um enredo
indeciso.
NOTA: 60
Contágio - TRAILER
Se há um mérito que seja por parte
de Scott Z. Burns e seus escritos é a grande metáfora de cunho
jornalístico que configura toda a fita, já que essa consegue transitar bem entre
os mais variados momentos de um caso que vira manchete nos jornais, indo desde o
desconhecimento, passando pela euforia e culminando na morte do assunto, tão
logo novos e mais "apropriados" casos surjam. Por outro lado, todo o impacto que
uma epidemia é capaz de causar, já que dizima grande parte da população mundial,
não salta da tela, instalando no espectador, no máximo, uma pequena
inquietude.
Contando a história do surgimento
de um novo vírus, que logo se torna uma epidemia de proporções tão avassaladoras
como a Gripe Espanhola, acompanhamos o desenrolar de suas conseqüências nas mais
distintas camadas sociais, seja o receio de um pai sem recursos (John
Hawkes) para com seu filho, a visão de um repórter aproveitador (Jude
Law), o temor de um pai (Matt Damon) que vê sua família ser destruída
pela doença, ou os esforços de altos membros da sociedade científica em conter a
ameaça, aqui apontados na pele dos doutores Ellis Cheever (Laurence
Fishburne), Emin Mears (Kate Winslet) e Leonora Orantes (Marion
Cotillard).
Nem mesmo esse elenco fantástico é
capaz de direcionar a película para uma linha mais concisa, já que os
personagens não têm tempo para se desenvolverem, restando aos atores repetirem
velhas fórmulas. Prova disso é a dificuldade em resgatar da memória o nome de
qualquer uma daquelas figuras apresentadas na trama de Contágio. E se
Damon, Hawkes e Fishburne rendem interpretações firmes, o
mesmo não pode ser dito de Gwyneth Paltrow e Kate Winslet, meros
instrumentos do diretor para chocar o público através de rostos conhecidos e
mortes rápidas. Já a presença de Marion Cotillard é atirada na lata do
lixo através de uma trama fraca e completamente despropositada, tanto que é
esquecida pelo roteiro durante boa parte da projeção. E Jude Law, mesmo
compondo o personagem mais interessante da trama graças a sua ambiguidade, é
sabotado por um recurso físico - uma prótese dentária - que tira a atenção das
suas maquinações e leva-a para um defeito físico que em nada acrescenta ao seu
papel ou personalidade.
Por outro lado, a direção de arte e
a fotografia conseguem representar bem as mais diferenciadas localidades
mostradas no filme, indo desde Hong Kong e suas aglomerações populares, até os
subúrbios tranqüilos de cidades norte-americanas, bem como o caos que se instala
nos mais diversos locais quando a doença atinge números alarmantes, seja no lixo
que se acumula nas ruas ou nas prateleiras vazias de um supermercado. E em
vários instantes de reflexão ou pesar, é interessante notar como as cenas
mergulham em sombras, como quando a Dra. Emin Mears encontra-se sozinha e
trancada em um quarto de hotel ou quando Cheever percebe que é impossível tratar
com indiferença um simples faxineiro do Centro de Controle de
Doenças.
A trilha sonora de Cliff
Martinez, sempre nervosa, retrata bem os momentos de tensão e euforia pelos
quais passa a população, e mesmo quando a incerteza do amanhã é apenas
particular, centrada em um personagem, os acordes sabem como acompanhá-lo.
Investindo em batidas e sons eletrônicos, as composições de Martinez podem
causar estranheza em um primeiro momento, mas logo se tornam peças fundamentais
do filme.
Apesar dessas pequenas passagens de
brilhantismo, Contágio não mostra a que veio, já que resolve investir no
recurso de contar o início da história ao final da projeção, não causando
qualquer impacto no espectador. Antes mesmo de ser uma surpresa, o começo da
trama decepciona não só por já ter sido expresso pelos personagens durante o
filme como também por indicar a falta de uma grande quantidade de massa
encefálica por parte deles que, imbuídos de tantos recursos, foram capazes de
saber até mesmo o que uma personagem tomou no dia em que a epidemia foi
propagada, mas não puderam localizar o supra-citado Índice 0.